8 de junho de 2008

Texto (de) Livre (de) Literatura

-texto por Arthur Julião-

Local: Uma planicie vasta, plantas rasteiras e secas ao redor.

O dia se vai, o sol se esconde no horizonte, eu o céu se se inunda de cores.
As núvens se tornam brilhantes, e o céu varia de um forte laranja a oeste, para um azul tranquilo e frio ao leste quando as primeiras estrelas surgem tímidas no céu.

O velho se levantou, essa noite, seria o primeiro a guardar a comunidade.
Os demais dormiriam tranquilos, a meia noite ele poderia dormir, pois outro montaria a guarda.
Não esperavam um ataque em especial, era mais pelo costume do que por uma ameaça bem definida.
Um jovem se aproxima.

- Posso montar guarda se quiser, não estou com sono.
- Aproveite o sono jovem, quando chegar o momento, poderá montar guarda. Será seu dever.
- Há tempos não somos atacados, posso ficar aqui, com você?
- Pode.

Ambos circulam a comunidade, olhando a noite nascente e as estrelas.

(Jovem)- Oque serão elas?
(Velho)- Não sei, mas elas não te fazem mal.
(Jovem)- E que mal luzes podem fazer?
(Velho)-A luz ilumina seu caminho?
(Jovem)- Sim.
(Velho)-Pois também ilumina o dos seus inimigos, e também dos estranhos.
(Jovem)- Estranhos?
(Velho)-Sim. Não sabe deles?
(Jovem)- Não.

(Velho)-Quando eu era jovem, ao montar guarda pela primeira vez, os vi.
O sono, que hoje você recusa, me incomodava na segunda metade daquela noite.
Eu ouvia de longe um ronco, ou rugido. E vi duas luzes correndo anoite, chegando perto.
Me preparei para uma invasão, mas aquela coisa me acertou primeiro.
Eu não cheguei a ver o quão perto ela estava, e já era tarde. Pensei que morreria.
O veneno era forte, eu cai no chão.
A última coisa que vi foram eles chegando.
Seres estranhos. Nús. Que andavam desengonçados. Muitos deles.
E muitas luzes.
Lembro de ter estado num lugar branco.
Tanta luz me cegava, e eles estavam lá.
E faziam coisas em mim, mechiam na minha nuca, nos meus dedos e nos meus dentes.
Olhavam para mim como quem anda e reconhece um terreno.
Eu tentava me mover, mas meu corpo não obedecia.
De novo eu adormeci.
E de manhã, quando o sol já ia alto no céu, eu acordei.
Estava próximo ao rio, perto da comunidade.
Me levantei, e andei até o rio.
Enquanto bebia água, senti como se estivesse sendo caçado.
Se eles ainda estivessem à espreita e eu não conseguisse vê-los.
Corri a região e não os encontrei.
Mas ainda sentia isso.
E sinto até hoje.
Nunca mais vi os estranhos.
Mas ainda sonho com coisas como aquelas, como se me levassem e fizessem de novo o que fizeram.
(Jovem)- E não sabe oque eram?
(Velho)-Não.

Por uns instantes o jovem refletiu.
(Jovem)- Vou dormir então.
(Velho)- Vai. E não de atenção as histórias de um velho senil.
(Jovem)- Não se preocupe não me assustou.
O jovem saiu.
O velho sentou-se ao lado de uma árvore. Lembrando-se dos estranhos.
E se um dia compreenderia o que afinal, tinha acontecido naquele dia de sua juventude.

FIM

1 de junho de 2008

por Cristovam Buarque*

"Durante debate em uma Universidade, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha.

De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da Humanidade.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o pais onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa."

http://cristovam.org.br/

Esse cara foi o candidato que eu escolhi pra ser nosso presidente... mas na época ele não tinha uma base de apoio boa, nem era amplamente conhecido. E continua sem ser amplamente conhecido. Uma pena.